← Back to portfolio

Abstenção dos portugueses nas Europeias 2019: Nem descuido, nem desilusão com a Europa

Published on

A apatia política dos portugueses em relação à União Europeia (UE) e o distanciamento que sentem aos temas que dominaram o discurso político durante a campanha eleitoral para as Europeias de 2019 são fatores fortemente explicativos da elevada a abstenção nestas eleições.

Este é um fenómeno atual e pertinente tendo em conta o papel que a UE desempenha no funcionamento dos serviços públicos portugueses, sendo que 79% do investimento público em 2018 era proveniente de fundos comunitários. Para além disso, o contraste entre as respostas dos portugueses a inquéritos do Eurobarómetro relativos à perceção que têm da União e a sua comparência nas urnas merece a procura de uma explicação.

Estes inquéritos indicam que, enquanto 69.27% dos portugueses se absteve, apenas 5% não tem opinião sobre se pertencer à UE é algo positivo ou negativo. Assim, utilizar o argumento de que os portugueses não foram votar porque não têm opinião ou uma boa impressão sobre a União é fraco e, por isso, devemos procurar outros fatores explicativos.

A apatia política da maioria dos portugueses em relação à União é verificável, essencialmente, através de dois grandes fatores: o fraco sentimento de pertença à UE e o distanciamento motivado pela sua complexidade e burocracia.

Em relação ao primeiro ponto, de acordo com dados do Eurobarómetro do Parlamento Europeu, menos de metade dos portugueses considera-se europeu (45%), enquanto 97% dos cidadãos não hesita em identificar-se como português. O segundo ponto teve um impacto direito na afluência às urnas: o segundo fator que mais contribuiu para a abstenção nacional foi o “desconhecimento relativamente à UE ou ao Parlamento Europeu ou às eleições europeias.

Para além da apatia política, e simultaneamente contribuindo para a sua acentuação, os temas que dominaram o discurso político durante a campanha eleitoral das Europeias 2019 foram problemáticas distantes das preocupações quotidianas dos portugueses.

O foco da própria UE no momento de apelo ao voto[1] foi para problemas globais como as alterações climáticas, as migrações e a proteção dos dados pessoais na era digital. Estes são desafios dos quais Portugal não sente consequências diretas nem frequentes, quer a nível institucional quer os portugueses a nível individual. Os portugueses valorizam, como áreas de ação da UE, o desemprego e o terrorismo.

Este fator não só é justificativo da abstenção portuguesa como ajuda a compreender o contraste com os restantes Estados-membros. Enquanto as eleições europeias de 2019 representaram para Portugal a maior abstenção de sempre, a taxa de participação da UE foi a mais elevada nos últimos 20 anos – situando-se nos 50.82%.

Para além de distante, o discurso eleitoral foi bastante focalizado em temas e disputas políticas nacionais. Este tipo de discurso, mesmo que aproxime o eleitorado das eleições, distancia o foco da Europa. Esta tendência para a nacionalização do discurso foi enfatizada pelos meios de comunicação portugueses que seguem, tendencialmente, a agenda política nacional.

Esta constatação é verificável através de um regresso às páginas dos principais meios de comunicação portugueses, nomeadamente as versões online do Expresso, Público e Diário de Notícias.

Nas páginas online destes jornais abundam as referências a análises de como a esquerda e a direita nacionais se comportaram nas eleições, quase em tom introdutório para as eleições seguintes: as legislativas.

O discurso quando não é nacionalizado e tenta conjugar a componente europeia com um formato acessível acaba por despir as temáticas de qualquer relação prática com o quotidiano dos portugueses e com a própria União, tornando-as mais ideológicas e generalistas.

Por exemplo, em formatos de comunicação interativos como quizzes que identificam o partido mais próximo do eleitor as perguntas que o compõe abordam temas como o casamento homossexual, a eutanásia ou a redistribuição de riqueza.

As tentativas de aproximação do discurso ao eleitorado nacional existiram, mas falharam. As áreas que melhor espelham uma relação de cooperação entre Portugal e a União Europeia focalizam-se em temáticas próximas de uma pequena fração da população portuguesa: os jovens numa situação relativamente privilegiada.

Um dos exemplos de tentativa de democratização deste discurso político é o podcast do jornal Público A Europa que Conta que se centra em temas como a cultura, a inteligência artificial, as compras online, a mobilidade na Europa ou ainda as mais recentes descobertas científicas. Embora um avanço no reforço da relação entre a população mais jovem e a UE, os temas voltam a contrastar com as preocupações que os próprios portugueses consideram essenciais - o desemprego e o terrorismo, como anteriormente mencionado.

O mesmo jornal dedicou parte da sua cobertura a temas europeus através de notícias relacionadas com personalidades políticas com posições bem definidas em relação ao Projeto Europeu, como Rui Tavares ou António Marinho e Pinto. No entanto, grande parte desta informação aparece como conteúdo exclusivo do jornal, cujo acesso exige uma subscrição paga.

No plano mediático, o foco nesta camada da população portuguesa como a única que deve ser mobilizada para a votação verificou-se sobretudo em momentos televisivos de comentário político.

Um dos exemplos mais mediáticos e, seguidamente, partilhado nas redes sociais foi o comentário de Miguel Sousa Tavares à geração mais nova por não ter ido votar, afirmando que “quem não votou nas Europeias não se pode candidatar [a Erasmus].”

O comentário foi feito praticamente à boca das urnas e, por isso, a única estatística de abstenção jovem nas europeias na qual se baseou foi de 2014 - apenas 19 por cento a irem às urnas. Para além de pouco rigoroso, contribui para esta tendência discursiva que parece aceitar que parte da população vai ficar de fora, de que não há nada a fazer.

Concluindo, a tendência discursiva de foco em temas distantes da maioria da população portuguesa juntamente com uma apatia política que esta sente em relação à UE são fatores fortemente explicativos da abstenção nas eleições Europeias de 2019.

[1] ver secção “porque razão deve votar” no website dedicado às Eleições Europeias para o Parlamento Europeu